segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O Pescador e a Garoupa, licoes do Conhecimento Tradicional aplicado.

Impressionante como 'as vezes, o conhecimento nao depende de formacao intelectual.

Como estamos no Verao, lembrei-me de um "causo" de minha infancia que mostra como o conhecimento tradicional tem grande valor.

Nos anos 90, meu pai decidiu que trocaria os veroes na Bahia por temporadas na praia de Cajaiba (Paraty). Hoje em dia, Cajaiba e' "pop" mas, naquela epoca, era uma praia de pescadores praticamente desconhecida do grande publico. Por conta do isolamento, fizemos amizades com quase todos os pescadores da regiao. Os turistas eram poucos e os nativos muito acolhedores.

Um desses pescadores tinha um grande "misterio" que intrigava ate' mesmo seus companheiros de profissao.

De tempos em tempos, esse caicara, chamado "Ceceu", aparecia com uma "Garoupa" (Epinephelus Marginatus) sempre com mais de 1 kg. Dizia ter pego com vara de pescar em uma toca que seu pai havia lhe mostrado quando ainda era crianca. Pescadores sabem que garoupas nao sao peixes de se pescar "na vara". Ou se pesca no arpao (como nos faziamos), ou voce tem "a sorte" de pega'-los em redes de arrasto, como faziam os outros pescadores. No "anzol" era rarissimo.

Ceceu contrariava a regra, saia com vara e linha e se empoleirava em uma pedra "X", que nao era nem tao escondida assim. Dali a algum tempo voltava com mais um peixe nas maos. Perguntado como fazia, despistava: "Fico conversando com eles e uma hora mordem a isca". (pescadore profissionais nao revelam seus metodos assim, de mao beijada). Havia dias em que ele saia sem o equipamento de pesca, mas ia para "aquela" pedra "conversar com os peixes".

Uma dessas vezes, mergulhavamos proximo 'a area em que ele ficava e, confesso que mesmo podendo observar debaixo d'agua , nao encontramos nada de "misterioso" no local em que ele se colocava.

Ficavamos muitos dias na praia, portanto foi possivel notar que havia um padrao no comportamento de Ceceu. As garoupas nao eram pescadas a todo momento. Notamos que as visitas em que ele nao levava vara eram mais frequentes do que 'as que levava equipamentos de pesca. Percebemos que ele devia respeitar algum periodo lunar, de mare' ou algo assim.... Ia em horarios marcados, tipo fim da tarde. Era bastante "cientifico" sem, na verdade, se-lo.

Um dia perguntei-lhe por que nao voltava com peixes toda semana ou mesmo todos os dias. Simplesmente me disse que "Nao era o certo".

Nao sei qual era o conhecimento formal que o caicara possuia, mas pude ver que entendia muito do ambiente em que vivia e ja' guardava conceitos inatos de "sustentabilidade". "O Segredo" que Ceceu mantinha vinha de seu pai . O sabio pescador mostrou -lhe que existe o momento de "dar" e o de "colher", que era melhor ter um pouco de cada vez, mas sempre, do que tudo de uma vez e nada mais.

Ceceu ia todos os dias 'a tal pedra dar de comer 'as pequenas garoupas. Quando estas chegavam a um tamanho razoavel - em determinada epoca do ano, ou lua - ele pescava. Sabia que se pescasse tudo de uma vez nao teria para o futuro e, portanto, criou esse engenhoso sistema. Como mantinha essa rotina, as garoupas ja' estavam acostumadas com a alimentacao "gratis" aos finais de tarde e, eventualmente, encontravam um "anzol" em meio 'a comida que recebiam regularmente. Nesse momento Ceceu garantia sua janta.

Nao vou 'a Cajaiba desde 93. Nao sei o que se passou com Ceceu e suas garoupas. Mas sua experiencia como pescador foi responsavel pela minha primeira aula pratica de "Sustentabilidade Ambiental". Por fazer do jeito "certo", acredito que o pescador nunca ficou sem comida. Se existissem outros com a consciencia desse pescador e' bem possivel que nao enfrentassemos sobrepesca em nossos litorais.


( Foto : http://www.pescasubrj.com/peixe/garoupa.jpg)

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